Flash normativo BROSETA – Xeque-mate à corrupção

O Decreto-Lei n.º 109-E/2021, de 9 de dezembro, veio criar o Mecanismo Nacional Anticorrupção e estabelecer o Regime Geral de Prevenção da Corrupção, corporizando, de forma aparentemente mais robusta, a implementação de instrumentos anticorrupção como os programas de cumprimento normativo, incluindo os planos de prevenção ou gestão de riscos, os códigos de ética e de conduta, programas de formação, os canais de denúncia e a designação de um responsável pelo cumprimento normativo.

Desde logo, para os efeitos do presente decreto-lei, entende-se por corrupção (e infrações conexas) os crimes de corrupção, recebimento e oferta indevidos de vantagem, peculato, participação económica em negócio, concussão, abuso de poder, prevaricação, tráfico de influência, branqueamento ou fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito.

E a efetividade destes novos instrumentos anticorrupção passa pela aplicação de sanções, designadamente contraordenacionais, aplicáveis ao setor público mas também ao setor privado, para a não adoção ou adoção deficiente dos citados programas de cumprimento normativo, sendo que, para facilitar a adequada adaptação das entidades abrangidas por este regime, fixou-se a sua entrada em vigor no prazo de 180 dias após a sua publicação e a sua produção de efeitos de forma faseada (designadamente, em matéria contraordenacional).

Importa destacar que este Regime Geral de Prevenção da Corrupção é aplicável às pessoas coletivas com sede em Portugal, e também às Sucursais, que empreguem 50 ou mais trabalhadores, sendo igualmente entidades abrangidasos serviços e as pessoas coletivas da administração direta e indireta do Estado, das regiões autónomas, das autarquias locais e do setor público empresarial que empreguem 50 ou mais trabalhadores (aplicando-se também às entidades administrativas independentes e ao Banco de Portugal).

Para este efeito, as entidades abrangidas devem adotar e implementar um programa de cumprimento normativo que inclua, pelo menos, (i) um plano de prevenção de riscos de corrupção, (ii) um código de conduta, (iii) um programa de formação e (iv) um canal de denúncias, a fim de prevenirem, detetarem e sancionarem atos de corrupção e infrações conexas, levados a cabo contra ou através da entidade.

Por outro lado, as entidades abrangidas deverão designar, como elemento da direção superior ou equiparado, um responsável pelo cumprimento normativo, que garante e controla a aplicação do programa de cumprimento normativo.

Em suma, estas entidades abrangidas passam a estar obrigadas a implementar um plano de prevenção de riscos de corrupção que abranja toda a sua organização e atividade, e que contenha (i) a identificação, análise e classificação dos riscos e das situações que possam expor a entidade a atos de corrupção, incluindo aqueles associados ao exercício de funções pelos titulares dos órgãos de administração e direção, e (ii) medidas preventivas e corretivas que permitam reduzir a probabilidade de ocorrência e o impacto dos riscos e situações identificados, sendo, ainda, de realçar o seguinte:

– No caso de as entidades abrangidas se encontrarem em relação de grupo, pode ser adotado e implementado um único plano de prevenção de riscos de corrupção que abranja toda a organização e atividade do grupo;

– plano de prevenção de riscos de corrupção é revisto a cada três anos ou sempre que se opere uma alteração nas atribuições ou na estrutura orgânica ou societária da entidade que justifique a sua revisão;

– As entidades abrangidas asseguram a publicidade do plano de prevenção de riscos de corrupção aos seus trabalhadores, através da intranet e na sua página oficial na Internet.

Paralelamente, as entidades abrangidas deverão adotar um código de conduta que estabeleça o conjunto de princípios, valores e regras de atuação de todos os dirigentes e trabalhadores em matéria de ética profissional, tendo em consideração as normas penais referentes à corrupção e os riscos de exposição da entidade a estes crimes, sendo que:

– O código de conduta é revisto a cada três anos ou sempre que se opere alteração nas atribuições ou na estrutura orgânica ou societária da entidade que justifique a sua revisão;

– As entidades abrangidas asseguram a publicidade do código de conduta aos seus trabalhadores, através da intranet e na sua página oficial na Internet.

As entidades abrangidas terão, ainda, de assegurar que (i) dispõem de canais de denúncia interna e dão seguimento a denúncias de atos de corrupção e infrações conexas, respondendo pelas contraordenações previstas na legislação aplicável a esta matéria, e (ii) asseguram a realização de programas de formação interna a todos os seus dirigentes e trabalhadores, com vista a que estes conheçam e compreendam as políticas e procedimentos de prevenção da corrupção implementados.

O órgão de administração ou dirigente das entidades abrangidas é responsável pela adoção e implementação dos programas de cumprimento normativo previstos no presente regime, devendo as entidades privadas abrangidas implementar procedimentos e mecanismos internos de controlo que abranjam os principais riscos de corrupção identificados no plano de prevenção de riscos de corrupção, sendo que, designadamente para efeitos de contratação pública, os procedimentos e mecanismos de controlo interno devem constar de manuais de procedimentos adequadamente publicitados.

Consagra-se também que é punível como contraordenação a violação das obrigações referentes aos programas de cumprimento normativo, prevendo-se coimas que podem ir até (euro) 44 891,81, tratando-se de pessoa coletiva ou entidade equiparada.

Os titulares do órgão de administração ou dirigentes das pessoas coletivas ou entidades equiparadas, podem ser, em certas circunstâncias, diretamente responsáveis pelas citadas contraordenações, sendo também subsidiariamente responsáveis pelo pagamento das coimas aplicadas, uma vez verificadas as condições para tal.

Pode também ser aplicada, em função da gravidade do facto e da respetiva culpa, a sanção acessória de publicidade da condenação, designadamente num jornal nacional, regional ou local.

Registe-se, a este propósito, que, em regra, tal regime contraordenacional produzirá efeitos um ano após a entrada em vigor deste decreto-lei, sendo que, no caso das entidades de direito privado abrangidas que se enquadrem como média empresa, este regime só produzirá efeitos dois anos após a entrada em vigor do presente decreto-lei.

Assinale-se, por fim, que este decreto-lei também cria o Mecanismo Nacional Anticorrupção, entidade administrativa independente – e dotada de uma pesada e complexa estrutura orgânica – com personalidade jurídica de direito público, poderes de autoridade e autonomia administrativa e financeira, que tem por missão garantir a efetividade de políticas de prevenção da corrupção e de infrações conexas, detendo poderes de iniciativa, de controlo e de sanção e competindo-lhe, entre outras atribuições:

– Emitir orientações e diretivas a que devem obedecer os programas de cumprimento normativo previstos no Regime Geral de Prevenção da Corrupção;

– Planear o controlo e fiscalização do Regime Geral de Prevenção da Corrupção;

– Fiscalizar o cumprimento das normas estabelecidas no Regime Geral de Prevenção da Corrupção;

– Instaurar, instruir e decidir os processos relativos à prática das contraordenações previstas no Regime Geral de Prevenção da Corrupção.

Concluindo, face aos múltiplos instrumentos contidos no presente decreto-lei, e acima apenas sumarizados, resta, “unicamente”, saber se os mesmos contribuirão, efetivamente (e como apregoado), para (i) reforçar os laços de confiança entre os cidadãos, as comunidades e as suas instituições democráticas, (ii) melhorar o conhecimento, a formação e as práticas institucionais em matéria de transparência e integridade, e (iii) prevenir e detetar os riscos de corrupção na ação pública, designadamente através do comprometimento do setor privado na prevenção, deteção e repressão da corrupção, ou se, ao invés – e à imagem de outros compromissos falhados nesta matéria – representarão (mais) uma montanha burocrática que pariu um enfezado rato corrupto…

Flash normativo – Xeque-mate à corrupção, 11 de janeiro de 2022

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